segunda-feira, setembro 14, 2015

Razão no. 34 - Dona Margarida da Graça Martins, uma mulher à frente de seu tempo


Santa Bárbara d'Oeste é uma cidade com singularidades e marcos de pioneirismo. 

Vamos relembrar:
- o primeiro automóvel produzido no Brasil (Romisetta),
- o primeiro trator (Toro),
- o primeiro torno CN (comando numérico)
- possui o único cemitério norte-americano fora dos Estados Unidos, 
- é considerada a primeira região do Brasil a usar arados de metal, tendo sido os primeiros arados de modelo nacional (arado Santa Bárbara) produzidos na então barbarense Vila Americana (1),
- é o berço da primeira Igreja Batista em solo brasileiro, formada em 10 de setembro de 1871 (2).

Uma outra característica pioneira e singular é sobre sua fundadora, Dona Margarida da Graça Martins.


Detalhe do busto de Dona Margarida no mausoléu em sua homenagem na praça central. Diz-se que os seus traços faciais foram definidos a partir de informações de pessoas que a conheceram (foto: Bete Padoveze - 21.11.13)

Alguns documentos oficiais e não-oficiais sustentam ser Santa Bárbara d’Oeste a única cidade brasileira fundada por uma mulher. Outros documentos e escritos a consideram uma entre poucas. Controvérsias à parte, parece certo que, se não é a única, foi de fato a primeira. (Atualização em 01/05/2018: segundo informação obtida na página do Wikipedia, Brotas foi fundada por Dona Francisca Ribeiro dos Reis em 1839).

Em tempos em que o papel feminino na sociedade estende-se a inúmeras atividades e responsabilidades, chegando a dominar em muitas áreas, o pioneirismo de Dona Margarida numa época de muitas restrições às mulheres é emblemático e deve servir de inspiração para as cidadãs barbarenses.

Então, vamos recordar um pouco a vida de Dona Margarida da Graça Martins, da qual infelizmente há pouco material disponível.

Margarida da Graça Martins, filha única de Manoel José da Graça e Anna Maria Cardoso, nasceu em Santos no dia 27 de novembro de 1782, onde cresceu e conheceu as técnicas de fabricação do açúcar, pois sua família tinha um pequeno engenho.
Busto de Dona Margarida inaugurado em 1963 (Foto: Augusto Strazdin, extraída do site do Cedoc Fundação Romi)


Mausoléu de Dona Margarida na Praça Central em 2012 (Foto: Bete Padoveze - set 2012) 

Casou-se, obrigada pelos pais, aos 13 anos, com José Paschoal de Lima, morador de São Paulo, um comerciante de tecidos de 37 anos (muito idoso para a jovem Margarida), com quem não teve filhos e do qual ficou viúva três anos após o casamento, tendo vendido o comércio e voltado a morar com os pais. 

Aos 26 anos casou-se novamente com o sargento-mor Francisco de Paula Martins, de 27 anos, com o qual teve 5 filhos: Ângela, Manoel Francisco, Ana Margarida, Maria (que faleceu ainda criança) e Belchior Francisco.

Com a morte do pai em 1810 e depois a do seu segundo marido em 1815, Dona Margarida tornou-se herdeira de propriedades e escravos. Passou então a comandar os negócios da família, comprando uma sesmaria de duas léguas quadradas numa região ainda sertão, pertencente à 4ª. Comarca de Porto Feliz, delimitada ao norte pelo rio Piracicaba e a nordeste pelo Ribeirão Quilombo, para onde transferiu-se com seus 4 filhos, todos menores, parentes, agregados e escravos em 1817.

Em suas novas terras formou uma fazenda de engenho de cana-de-açúcar, para produção de açúcar mascavo. Passado algum tempo, Dona Margarida doou uma parcela de terras à Cúria Paulistana para construção de uma capela em taipa em homenagem à Santa Bárbara, santa de sua devoção, com a consequente fundação de um povoado em seu redor. Assim nasceu a primitiva Santa Bárbara dos Toledos. Como a capela foi erguida em 1818, a data da fundação de Santa Bárbara d'Oeste é considerada 4 de dezembro daquele ano. (Veja abaixo mais detalhes sobre o nome da cidade)


Igreja Matriz de Santa Bárbara, marco zero da cidade (Foto: Bete Padoveze - 24.06.13)
Santa Bárbara, a santa da devoção particular de Dona Margarida - Detalhe do vitral na Igreja Matriz de Santa Bárbara (foto: Bete Padoveze - 24.06.13)

Em 1821 a fundadora do povoado e seus filhos já não residiam mais em Santa Bárbara, tendo voltado para Santos para administrar as propriedades recebidas como herança de seus pais. Posteriormente, a família de Dona Margarida transferiu-se para São Paulo, onde ela faleceu em 13 de julho de 1864 com 81 anos, sendo sepultada no Cemitério da Consolação. 

“Ela não sabia e, talvez nunca soube que foi a fundadora de uma cidade. Apesar do pouco tempo que se estabeleceu para tomar posse da sesmaria, ela teve atitude adiante do seu tempo para uma mulher, estando à frente de negócios e, mesmo que sem querer, iniciando uma vila que gerou o município de Santa Bárbara d’Oeste”, disse o pesquisador Antonio Carlos Angolini. (5)

No dia 4 de dezembro de 1967 seus restos mortais foram transferidos para a Praça Coronel Luís Alves, no centro de Santa Bárbara d'Oeste. Ao que consta, esses restos morais desapareceram depois de uma reforma na praça e não há notícias sobre o que teria ocorrido. (3) 


Cerimônia da transferência dos restos mortais da fundadora para o seu mausoléu em 1967 (foto: extraída do site do Cedoc Fundação Romi)
Descendentes de Dona Margarida durante a cerimônia de inauguração do Mausóleu em 1967 (foto: Augusto Strazdin 1967, extraída do site do Cedoc Fundação Romi)
Vista do mausoléu em 1987 (foto: Antonio C. Angolini, extraída do site do Cedoc Fundação Romi)

Como não considerar pioneira uma mulher que foi além do seu papel esperado para os tempos em que vivia? Como muitas outras mulheres que deixaram sua marca e contribuição à frente de seu tempo, Dona Margarida da Graça Martins também o fez, deixando assim para nossa cidade essa característica singular - a de ser uma das poucas, senão a única, cidade brasileira fundada por uma mulher.

Vale a pena registrar alguns comentários extraídos do livro "Santa Bárbara d'Oeste - Edição Histórica" (editora Focus - coordenação editorial de José Maria Crivellari, adm. Walter Landucci, baseados em pesquisas e textos de diversos autores) (4):

“D. Margarida da Graça Martins, a Fundadora de Santa Bárbara, constituiu um caro exemplo de pioneirismo, desassombro, coragem e capacidade de luta, numa época em que a condição feminina era um obstáculo praticamente intransponível para as atividades fora do lar, que cabiam ao elemento masculino. Estava vedado à mulher o livre trânsito, bem como as decisões independentes, e qualquer transgressão dessa determinação constituía um escândalo.”

“Era dona Margarida, na época, conforme os recenseamentos de Santos, uma senhora de engenho, pois com a morte do pai, seis anos antes, herdara o sítio São Jorge dos Erasmos, onde ela adquiriu os conhecimentos de industrialização do caldo de cana para o fabrico do açúcar e da aguardente, que tão úteis lhe foram na sesmaria, para a qual ela foi, acredita-se, com o intuito exclusivo de explorar em larga escala a produção de açúcar, a mais rendosa indústria daquela época. António Bruno de Oliveira, no valiosíssimo trabalho publicado pelo Jornal D'Oeste em 1969, fala da Fundadora nos seguintes termos: "Dona Margarida da Graça Martins, pelo seu espírito empreendedor e resoluto, deve ter encontrado sempre oposição sistemática da parte dos homens e deve ter sido olhada com desconfiança pelas mulheres. No desbravamento das matas, no cultivo das terras da sua sesmaria, com uma população reduzidíssima na novel povoação, reduziram-se as suas atividades sociais ao mínimo. E o agravamento das inimizades, motivadas pelas controvérsias, e a necessidade da educação dos filhos, todos menores, apressou a sua volta para a cidade de Santos, onde possuía sítios em franca atividade, e a sua posterior transferência para a Capital.”

A Cia. Xekmat divulga personagens históricos da cidade através de seu projeto Viajantes do Tempo. Acima, Dona Margarida da Graça Martins e seu escravo Tobias, em apresentação por ocasião da I Caminhada Cultural em 2010 (Foto: Bete Padoveze em 21.03.10).

Acredito que a história de Dona Margarida deve ser continuamente divulgada para servir de parâmetro e exemplo às mulheres (e homens também, por que não?) que querem deixar um legado para o futuro. Não é preciso que seja tão grande e importante esse legado (como o início de uma nova cidade...). Basta ser uma contribuição, o que certamente fará diferença em nosso pequeno mundo!

O porquê do nome Santa Bárbara d'Oeste

A cidade foi inicialmente chamada apenas de Santa Bárbara, em homenagem à santa padroeira, após a construção da capela em 1818. Depois que a Capela de Santa Bárbara foi construída, o local foi conhecido também como Vila Santa Bárbara e Santa Bárbara dos Toledos, em homenagem à família Toledo.

Com o tempo, com o surgimento de outras cidades com nomes semelhantes, como Santa Bárbara do Sul e Santa Bárbara do Leste, para evitar confusão foi necessário diferenciar a cidade paulista. Para resolver o problema, um decreto do Governo Federal pediu a mudança dos nomes das cidades. A única que permaneceu com a nomeação somente de Santa Bárbara foi em Minas Gerais, cidade com mais de 315 anos de fundação.

Porém, em oposição à tentativa do Governo Federal de renomear a cidade como Canatiba, nome de origem tupi que significa “cana em abundância”, houve um movimento local, liderado por figuras religiosas e pelo jornal local, para manter o nome original, com a adição de um complemento que a distinguisse de outras cidades homônimas.

Assim, foi adotado o complemento "d'Oeste", não por estar necessariamente no oeste do estado, mas como uma forma de distinção.

Há uma teoria bastante difundida que sugere que o complemento "d'Oeste" foi adotado porque a cidade de Santa Bárbara está localizada a oeste do Rio de Janeiro, que era a capital federal do Brasil até 1960. Na época em que o nome foi oficializado, o Rio de Janeiro era o centro político e administrativo do país. Assim, referenciar a posição relativa à capital fazia sentido como forma de localização.

O nome Santa Bárbara d'Oeste foi oficializado pelo Decreto-Lei Estadual nº 14.334, de 30 de novembro de 1944. Esse decreto alterou a denominação do município, que até então era conhecido apenas como Santa Bárbara, para Santa Bárbara d'Oeste.


ooOoo

Veja alguns locais de nossa cidade onde o  nome da fundadora está presente:

- Rua Dona Margarida (corta a cidade desde a Av. Tiradentes até a Rua Fortunato Lira, no Jardim Santa Luzia):

Rua Dona Margarida em 1930 (Banda "Cel.Luiz Alves") - (Foto: Augusto Strazdin, Coleção Usina Santa Bárbara, extraída do site Cedoc Fundação Romi)


Rua Dona Margarida em 2015 (foto: Bete Padoveze - 07.09.15)

- Rodovia Dona Margarida da Graça Martins - SP-135 (estrada velha de Piracicaba), ligando SBO à Piracicaba, passando pelo bairro Caiubi, Chácaras Cruzeiro do Sul, acesso à Usina Santa Bárbara, com aproximadamente 20 km;

- Rua Graça Martins, no centro da cidade (da Av. Corifeu Azevedo Marques até  a Rua Campos Sales)

Rua Graça Martins (foto: Bete Padoveze - 07.09.15)
Cruzamento das ruas Dona Margarida e Graça Martins (foto: Bete Padoveze - 07.09.15)

Loteamento Residencial Dona Margarida, localizado na extinta Fazenda São Pedro (Usina Santa Bárbara), tendo como cenários de fundo o Caminho dos Flamboyants e o casarão construído nos anos 20.

Também leva o nome da fundadora:

- Medalha Dona Margarida da Graça Martins: instituída em 1986 através do decreto legislativo nº 08/1986, de autoria do então presidente da Câmara Municipal, ex-vereador Sebastião Adail Ribeiro, a medalha é outorgada pela Câmara Municipal a personalidades que prestam relevantes serviços na sua área de atuação na comunidade.

Ver post no Instagram de Maitê Proença sobre Dona Margarida:

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