segunda-feira, dezembro 01, 2014

Razão no. 32 - O Sotaque Barbarense


O sotaque interiorano, caipira, não é novidade prá ninguém - mineiro, goiano, paranaense, paulista, cada um tem a sua peculiaridade. 

Mazzaropi, para quem se lembra, imortalizou em seus filmes o caipira Jeca Tatu e sua inconfundível maneira de falar. Algumas de nossas melhores músicas reproduzem a diversidade do vocabulário e sotaques caipiras - entre elas, a minha preferida é 'Cuitelinho', que Paulo Vanzolini recolheu do cancioneiro popular  matogrossense e que atingiu um nível de obra prima na gravação de Pena Branca e Xavantinho.

Na região, temos o conhecido dialeto caipiracicabano, tão bem descrito por Cecílio Elias Neto em seu livro Arco, Tarco, Verva, de 1988.  

Santa Bárbara também tem o seu - o famoso sotaque barbarense, que é muito parecido com o de Piracicaba. A característica marcante é o 'r' acentuado, lembrando muito o 'r' retroflexo do inglês americano: basta comparar 'porta' e 'door', 'card' e 'cartão'...


O perímetro urbano da cidade representa menos de um terço da área total (4); no entanto, dos cerca de 180.000 mil habitantes, menos de 1.500 moram na zona rural (5). Concluindo: o nosso sotaque é de 'caipira da cidade'.
Casa no Santo Antonio do Sapezeiro, bairro rural de Santa Bárbara d'Oeste (foto: Bete Padoveze - 23.06.13)
Vista do bairro rural Caiubi (Expedição Fotográfica da Fundação Romi em 14.07.12 - Foto: Bete Padoveze)

A imigração norte-americana para a região por volta de 1865 pode ter influenciado na composição do sotaque barbarense (1), mas tenho minhas dúvidas sobre a força dessa influência. Afinal de contas, o imigrante norte-americano, que pertencia a uma camada econômica e social mais privilegiada, manteve-se um pouco isolado, preservando as suas próprias tradições. Além do mais, o idioma inglês não foi disseminado e absorvido pela cultura local. 

Já a imigração italiana, a partir do final do século XIX, essa sim causou um forte impacto na formação da cultura brasileira, e não apenas em nossa região (ver Razão no. 21). O imigrante italiano era basicamente um trabalhador rural, influenciando fortemente a formação de hábitos e costumes dessa camada da população. Quando minha vó falava 'borsa', eu entendia simplesmente como 'caipirês', desconhecendo que em italiano a palavra está correta.

No entanto, estudos identificam a origem do 'r' caipira no contato entre portugueses e nativos brasileiros, tendo sido disseminado pelos bandeirantes. Assunto para muita pesquisa e leitura...

Assim, concluo que já tínhamos o sotaque caipira, que ficou ainda mais acentuado pela influência italiana. Certo ou errado?

Quando crianças, meus irmãos e eu éramos alvos de uma certa chacota por parte de nossos primos da região do ABC. O nosso jeito de falar realmente era muito diferente do deles e sem dúvida denotava nossa origem. Isso tudo acabou quando um dos nossos tios, num desses momentos de embaraço para nós, os barbarenses, começou a comparar as nossas notas de português com as deles, os primos da cidade grande. Ficou bem evidente que, sotaque à parte, estávamos aprendendo mais...

Se o sotaque é peculiar, o vocabulário também é. Um dos meus alunos, vindo lá do Rio de Janeiro, adorava (e adotou) a expressão 'chique no úrtimo'. Mas essa, entre outras expressões, não é usada apenas aqui: nóis, nói, tô ino, tô chegano, os tai, cabrero, ponte do funir (acho que essa é bem barbarense), cata as coisa aí, vô ponhá, pérai, belezura, sigura aí, ó véio, cuié, muié, miorá, piorá, catá coquinhu, ... , tudo isso faz parte do falar do caipira rural e do caipira urbano de muitas regiões. (veja exemplo) (2)


O Sr. Ary Gonçalves Mendes, morador do bairro rural Caiubi, mostrando a sua roça de milho e contando coisas dos tempos passados (foto: Bete Padoveze - julho 2012)

Adoniram Barbosa, nascido em Valinhos, imortalizou o sotaque caipira paulistano do Bixiga, de influencia italiana, em suas canções, ainda hoje cantadas por muita gente e elevadas ao nível de 'cult' (De tanto levá "frechada" do teu olhar, meu peito até parece sabe o quê? "táubua" de tiro ao álvaro, não tem mais onde furá. Teu olhar mata mais do que bala de carabina, que veneno estriquinina, que pexera de baiano. Teu olhar mata mais que atropelamento de "automóver", mata mais que bala de "revórve").

Mazzaropi tornou-se um ícone nacional e tem em Taubaté um museu com seu nome, sendo considerado uma referência da cultura caipira no cinema brasileiro.

Já tem gente apostando no humor com o nosso sotaque caipira. Veja o barbarense Ricardo Brug em seu stand-up comedy. (3)

Ainda que caipira, o sotaque barbarense é nosso e nos identifica. Mesmo quando tentamos nos livrar dele para adotar um falar mais cosmopolita e moderno, não podemos nos esquecer das nossas origens e da nossa história. 


Deixo a porrrta aberrta para comentários...



(1) "Malditos Ianques"
(2) eduhlp commented on a video 7 years ago Belo Peixe... estão falando do sotaque.. mas eu como bom Barbarense acho muito bonito este RRRR puxado... Belo peixe mesmo..

(3) Ricardo Brug: A Câmara Municipal apresentou uma Moção de Aplauso pela classificação do barbarense entre os 10 melhores do festival de humor da América Latina, 'Risadaria'.
(4) fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_B%C3%A1rbara_d'Oeste
(5) fonte: http://camarasantabarbara.sp.gov.br/Municipio/Pagina.aspx?tipo=aspectosgerais - Censo de 2010

Um comentário:

  1. Muito bom o texto, Bete. Tentamos, mas creio que jamais nos libertaremos deste nosso sotaque. No fundo, é "chique no úrtimo" e manter a tradição é uma "belezura"...rss

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