Passei pela janela aberta e vi seu vulto lá fora, se movimentando. Parei, olhei, e, de repente, percebi que quase não o conheço.
Quase não sei nada sobre você, pai. Sei apenas o que todos sabem. Sei do seu caráter retíssimo, do seu espírito livre, da sua calma e equilíbrio constantes. Sei dos seus gostos simples, do seus gestos tranqüilos, da sua alegria comedida. Conheço de você aquilo que muitos conhecem – sua vontade de trabalhar, sua determinação, seu bom humor, seu bom senso.
Não me lembro de vê-lo em momentos de ira, nem de saber que tomou decisões erradas em nosso nome. Sei que nas horas difíceis e cruciais de nossa vida você nunca se mostrou titubeante. Ao contrário, nessas horas é que você revelava toda a grandeza de que era constituído.
Mesmo quando ficava doente. Lembra aquela ferida na boca que não sarava? Exames, exames, ela melhorava; depois voltava. E você quieto, sempre quieto. Não nos deixava saber de sua preocupação. E nós a querer enxergar em seu rosto algum traço de desespero. Não havia. Você agüentava sempre qualquer situação.
Você sempre fazia algo por nós, pelos outros. Mas fazia sempre antes. E quando já não fosse possível fazer mais nada, você ainda era alguém com quem se podia contar.
Nunca vi você parado, pai. Nunca vi você se lastimando de sua vida, de seus problemas. Você não tinha tempo prá chorar – você trabalhava, você agia. E mesmo cansado, mesmo doente, você trabalhava, você agia.
Mas eu sei que não o conheço. Sei apenas que atrás de você tem uma história. Deve ser até triste, pois a vida sempre lhe reservou episódios doloridos. Deve ser a história de um homem que se moldou, que se construiu com firmeza e agora, depois de tantos anos, de muitos sacrifícios, pede muito pouco para si. Pede apenas uma vara de pescar e alguns minutos de paz.
26.08.82
(João Padoveze faleceu em 21 de agosto de 2002)
João Padoveze na casa da filha Marta |
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