domingo, abril 30, 2006

Casa vazia



Chega de mansinho, levemente... Vem tímido, como se tivesse medo. Chega sem se deixar notar e encosta-se nas paredes para não ser visto. Mal ergue os olhos do chão, sem jeito como uma criança.

Aos poucos, consegue um lugarzinho e instala-se, mais seguro de si. Passeia o olhar pela casa, analisa, mede, raciocina. Depois levanta-se, olha com vagar pelos cantos, percebe as falhas, compreende os hábitos do dono, começa a entender sua vida.

Mais tarde pede um favor, aceita uma gentileza, torna-se agradável.

Depois pede mais. Tem sede. Tem fome. Quer ser agradado. Já não se pode lhe negar mais nada. Não é mais tão sorridente como na chegada, mas o dono se submete a ele, porque já tomou conta de tudo. Passa a ser o senhor. Pede muito. Exige demais. Não importa que faça chorar, que faça sofrer. Quer, apenas.

E o dono, agora escravo, sujeita-se na espera de um pequeno sorriso, de um aceno, de uma concessão.

E só muito tarde vai perceber que lhe ficou apenas uma casa vazia, assombrada de lembranças. Um coração solitário.


08.07.82
Foto: Casarão rua em Santos, 2001



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